Brasil ainda não está pronto para voto facultativo, dizem especialistas
Mais de 60% dos brasileiros são contra
a obrigação de votar. Mas analistas avaliam que corrupção eleitoral e
despreparo da população ainda são obstáculos no país, um dos 31 do mundo que
sustentam a imposição.
Nas eleições do próximo dia 5 de
outubro, 142,8 milhões de brasileiros deverão comparecer às urnas, segundo o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pesquisas de opinião, no entanto, mostram um
elevado índice de rejeição ao voto obrigatório. Um levantamento do Instituto
Datafolha divulgado em maio deste ano aponta que 61% dos eleitores são contra a
imposição.
Para analistas, permitir que o
eleitor decida se quer ou não votar é um risco para o sistema eleitoral
brasileiro. A obrigatoriedade, argumentam, ainda é necessária devido ao cenário
crítico de compra e venda de votos e à formação política deficiente de boa
parte da população.
"Nossa democracia é extremamente
jovem e foi pouco testada. O voto facultativo seria o ideal, porque o eleitor
poderia expressar sua real vontade, mas ainda não é hora de ele ser
implantado", diz Danilo Barboza, membro do Movimento Voto Consciente.
O voto compulsório é previsto na
Constituição Federal – a participação é facultativa para analfabetos, idosos
com mais de 70 anos de idade e jovens com 16 e 17 anos.
O sociólogo Eurico Cursino, da UnB,
avalia que o dever de participar das eleições é uma prática pedagógica. Ele
argumenta que essa é uma forma de canalizar conflitos graves ligados às
desigualdades sociais no país.
"A democracia só se aprende na
prática. Tornar o voto facultativo é como permitir à criança decidir se quer ir
ou não à escola", afirma. "Não é estranho que sejam tomadas decisões
erradas e que o voto seja ruim. Mas se as pessoas não sabem votar, elas têm de
aprender."
Maior abstenção
Já para os defensores do voto não
obrigatório, participar das eleições é um direito e não um dever. O voto
facultativo, dizem, melhora a qualidade do pleito, que passa a contar
majoritariamente com eleitores conscientes. E incentiva os partidos a promover programas
eleitorais educativos sobre a importância do voto.
O sistema voluntário é adotado em
quase todo mundo. O voto é compulsório em apenas 31 países, incluindo o Brasil.
O levantamento é do Instituto Internacional para Democracia e Assistência
Eleitoral (Idea), que tem sede na Suécia.
De acordo com o órgão, a quantidade
de votos brancos e nulos em países que obrigam o eleitor a ir às urnas é muito
maior. Em Quênia, Dinamarca e Tunísia, onde o voto é facultativo, os índices de
abstenção são inferiores a 1%, enquanto que no Peru e no Equador, onde os
cidadãos são obrigados a votar, a taxa de abstenção é de cerca de 20%. No
Brasil, o índice foi de 8% nas últimas eleições.
"Isso indica que as pessoas só
vão às urnas porque são obrigadas. Muitas não gostariam de expressar um voto. O
cenário com altos índices de abstenção é comum aos sistemas eleitorais que
adotam o voto compulsório", diz à DW Abdurashid Solijonov, do setor de
processos eleitorais do Idea.
Na América do Sul, apenas Colômbia,
Paraguai, Suriname e Guiana adotam o voto facultativo. Ao contrário dos países
da América Central, a tradição sul-americana é a do voto obrigatório. Um estudo
da Consultoria Legislativa do Senado Federal mostra que países que obrigam o
eleitor a votar, sob pena de sanções, têm um histórico de intervenções
militares e golpes de Estado, com exceção da Costa Rica.
"Há outras medidas mais eficazes
para incentivar a participação dos cidadãos, como aumentar a satisfação dos
eleitores com os governos, adotar um sistema eleitoral proporcional e promover
debates públicos", argumenta o especialista.
Despreparo
Apesar de estar entre uma minoria no
cenário mundial, o Brasil deve manter a política de obrigatoriedade do voto,
segundo o presidente da Comissão Eleitoral da OAB do Rio Grande do Sul, Augusto
Mayer. Para o advogado, os elevados índices de corrupção e cassação de mandatos
evidenciam que o país ainda não está preparado para adotar o voto facultativo.
"Isso exige em contrapartida uma
extraordinária valorização do aspecto cidadão. Os eleitores brasileiros não têm
um conhecimento mais profundo sobre os partidos políticos. A cidadania é
relacionada apenas com o direito ao voto", avalia.
Para Mayer, os países que adotam o
sistema voluntário de participação eleitoral cultivam uma pedagogia intensa em
torno da valorização do voto, o que não acontece no Brasil. A votação
facultativa em países democráticos se deve ao alto grau de politização da
sociedade e a uma presença mais forte da cultura de cidadania. Ele considera
Alemanha, Canadá, Espanha, Israel, Itália, Portugal, Japão e Polônia como bons
exemplos. "Esses países usufruem da
cláusula de barreira, norma que restringe o ingresso parlamentar de partidos
que não alcançam um percentual mínimo de votos", explica.
Na Alemanha, o alistamento eleitoral
é obrigatório, mas o voto é facultativo. Nas últimas eleições, em setembro de
2013, cerca de 61,8 milhões de alemães estavam aptos a votar, e o
comparecimento às urnas foi maior do que 70%.
Debate parado
Emendas constitucionais que tratam do
tema no Congresso Nacional são inspiradas no modelo alemão. Uma das principais
propostas sobre a reforma política, a PEC 352/2013, do deputado Cândido
Vaccarezza (PT-SP), prevê o fim do voto obrigatório. O texto está parado na
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
Para o professor Aldo Fornazieri, da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a ingerência regulatória do
Congresso e do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições se converte em medidas
que tentam afastar cada vez mais o eleitor da participação política.
"Ele é transformado em um
cidadão de sofá, um cidadão passivo. Votar se torna um ato meramente
formal", diz.
Embora faça críticas ao voto obrigatório, o especialista pondera que,
com o voto facultativo, o índice de participação nas urnas seria muito baixo.
"As instituições carecem de legitimidade, porque, depois de eleitos, os
políticos se isolam da sociedade. Eu gostaria que houvesse essa correspondência
entre deveres e direitos, mas hoje ela é falsa", afirma Fornazieri.
Fonte: http://www.dw.de/brasil-ainda-n%C3%A3o-est%C3%A1-pronto-para-voto-facultativo-dizem-especialistas/a-17863915
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