sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Movimento Comunitário, Estado, sociedade civil – o que existe de real entre eles


Maria Horácia Ribeiro

Integrante da Executiva do PTB Mulher de Porto Alegre
Presidente da União de Associações de Moradores de Porto Alegre
Secretária-Geral da Federação Gaúcha das Associções de Moradores do RS
Presidente do Conselho Comunitário do Bairro Cavalhada- CONCAV


Fui desafiada a escrever sobre movimento comunitário . Parei, pensei e me perguntei o que é movimento comunitário? Como surgiu? Afinal dizem que os avanços não vêm das respostas e sim das perguntas.


Essa pergunta veio com outras que nos levaram a refletir sobre sociedade civil, sobre Estado.
Que tal conceituar?


Estado do ponto de vista marxista poderia ser definido como sendo um órgão da classe dominante, visto pelos indivíduos como um ente abstrato, que exprime uma vontade coletiva ou então, como uma forma de sociedade externa, ou seja não exprime a vontade geral, mas atende aos interesses de uma classe dominante que se mascara de justa e diz ter a soberania popular baseada numa igualdade.


Esta seria uma conceituação simples, mas não está longe de afirmar-se que o Estado pode representar o interesse de uma classe dominante que busca a legitimação de permanecer no poder escondendo-se atrás desse entendimento de Estado. Não se imagina o Estado sem a sociedade e nem vice versa, revelando a profunda relação entre eles e demonstrando que o Estado tem sua origem dentro da sociedade e tem nela seus limites,seus potenciais bem como a capacidade de enfrentar suas demandas.

Já poderíamos conceituar sociedade como sendo a força viva que atua, mobiliza e se organiza fora das instituições estatais. Destacaríamos a capacidade que essas forças possuem de manterem-se autônomas, sem atrelamento ou subjugadas ao Poder do Estado, contrapondo-se quando necessário.

Dando uma olhada na história brasileira vemos que os conceitos de sociedade civil acompanharam as trajetórias e lutas políticas e com especial ênfase para as mobilizações que tinham cunho desenvolvimentista ligado ao crescimento econômico, ou seja, o caminho do regime político do Estado.


A classe dominante, antes citada reafirmava a necessidade de superação do atraso que o país havia sido submetido e em contrapartida uma quantidade expressiva de estudantes, profissionais, intelectuais lutavam para que as transformações econômicas não descaracterizassem suas lutas mesmo que fossem diferentes e diversas.


O golpe militar foi à resposta dada pela classe dominante para as mobilizações da sociedade que não atendesse aos seus interesses e aos interesses internacionais.


A repressão que foi institucionalizada pelo Estado causou a desmobilização dessas forças e em alguns casos sua dissolução. Os partidos políticos( alguns cassados) já não abrigavam mais os movimentos sociais,e seus militantes obrigando-os a mudarem seus rumos.


Foi nessa conjuntura que o movimento comunitário, através das associações passou a ser a alternativa de resistência democrática diante da opressão feita pela ditadura militar. Abrigavam em seu seio militantes políticos, cientistas, perseguidos políticos que viviam na clandestinidade, mas que viam neste movimento social o caráter contestador tanto no âmbito das relações sociais como na busca de melhorias para o coletivo, com a ampliação da cidadania.


A tirania, a repressão da ditadura fez com que parte da sociedade se decepcionasse com ausência ou impotência do Estado de ser o mediador, o ente capaz de atender as demandas de modo igualitário .


Houveram então as mobilizações variadas que iam de sindicatos a clube de mães e passavam obrigatoriamente pelas associações comunitárias que se revelavam com uma capacidade de congregar interesses difusos, sem perder a marca de autonomia e a capacidade de contestação. Surgem os primeiros conceitos de coletividade e sociabilidade.


O movimento comunitário ou de associações de bairro eram os novos rumos da sociedade porque se constituíam num processo auto organizado que reivindicavam direitos e não se submetiam a troca de favores ou ao menos resistiam a essa prática.


Um novo jeito de olhar a sociedade começa a surgir onde a “sociabilidade, o associativismo fala mais alto e finca a bandeira de que veio para ficar. Foi nestes espaços que a sociedade passou a ser politizada e lhes foram tiradas as mordaças da ditadura.


Ao mesmo tempo em que a noção de sujeito está vinculada a um projeto que é coletivo ela garante a identidade individual que promoverá a autonomia com práticas que elaboram uma identidade capaz de mudar o social partindo da própria experiência.


Foi nos anos 70 que o novo modelo toma força, surgem os sindicatos, surgem às confederações e federações que se engajam na conjuntura política, empurrando as mudanças sociais com determinação. E foi através da auto organização que o movimento comunitário se fortalece e delineia sua trajetória.


Mas foi com o processo de redemocratização que se consolida centrando no estimulo para que cidadão exerça seus direitos políticos e busque direitos básicos de sobrevivência como habitação, saúde, educação e outros.


Podemos dizer que o Estado brasileiro ao sofrer uma transição entre a ditadura e a democracia permitiu que se estabelecesse uma relação dialética entre as iniciativas desse Estado com as respostas que a sociedade civil dava no processo. Isso pode ser visto com as manifestações políticas que eram expressas mais vivamente e com o enfoque mais político partidário.


Surge uma hegemonia entre os entes da sociedade mesmo que entre eles os interesses sejam diversos, poddendo-se dizer que uma classe se torna hegemônica quando pactua com outras processos de avanços e conquistas. A classe dominante vai permitir esses avanços à medida que garanta sua manutenção no status quo. Surgem os conflitos com o Estado que se obriga a negociar, a buscar entendimentos que contemplem a classe hegemônica nas suas mais variadas necessidades, dando para classe dominada avanços em suas demandas. Fica claro que o Estado de direito reconstruído pós ditadura levou o Estado Democrático a se firmar através dessas organizações sociais estabelecendo uma nova relação entre sociedade civil e o Estado com a descentralização do poder e o compartilhamento deste com a sociedade, e isto pode ser visto na municipalização das políticas onde o cidadão acompanha de perto seus interesses e aplica os recursos nas necessidades locais.


Muito há para dizer nesta construção democrática de organização da sociedade civil e sua relação com o Estado, mas concluímos que de uma pequena célula que é o cidadão, o morador de um bairro passa um intrínseco e estreito relacionamento de poder, política, democracia e que na grande maioria das pessoas ainda não está consciente. Vamos continuar nesta indagação e tentar vislumbrar os meandros da sociedade civil.

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